Gestão de custos em projetos

A Inflação Real: IPCA, INCC e IGPM não são exatos

Se você é gestor de projetos, provavelmente já passou por esta situação: o orçamento é aprovado com uma previsão de reajuste baseada no IPCA ou INCC ou IGPM, mas, seis meses depois, os custos de materiais (como aço, cimento ou software) e de mão de obra dispararam, e o índice oficial parece não refletir a sua realidade.

Essa diferença não é uma ilusão. O que você está sentindo é a diferença entre a inflação como “aumento de preços” (o efeito) e a inflação como “aumento da base monetária” (a causa).

Neste artigo, vamos dissecar o que é a “inflação real” olhando para os dados do Banco Central (BCB) e entender por que o gráfico da Base Monetária Ampliada talvez seja mais importante para o seu orçamento do que o próprio IPCA.

📈 Parte 1: O Que é Inflação? As Duas Definições Cruciais

Para entender por que seu orçamento estoura, precisamos primeiro concordar sobre o que é inflação. Existem duas maneiras principais de olhar para o fenômeno:

Inflação como Aumento de Preços (O Efeito)

Esta é a definição mais comum, usada pela mídia e pelo governo. A inflação, nesse caso, é o efeito de um desequilíbrio econômico, medido pela média do aumento dos preços de um conjunto de produtos e serviços. A métrica oficial no Brasil é o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).

O Problema para Projetos: O seu projeto não consome a “cesta” do IPCA. Ele consome commodities, software e mão de obra especializada, cujos preços (medidos por INCC ou IGP-M) frequentemente sobem muito mais rápido.

A Inflação Oculta: Por que índices como IPCA, INCC e IGPM são não exatos

Além da cesta de produtos ser diferente, o próprio cálculo de índices como IPCA, INCC e IGPM enfrenta desafios que podem mascarar a inflação real sentida no bolso. O índice mede o preço do “item”, mas em alguns casos não captura perfeitamente as alterações sutis de quantidade ou qualidade.

Aqui entram as “inflações ocultas”:

  • Reduflação (Shrinkflation): Esta é a tática de reduzir a quantidade de produto na embalagem mantendo o preço estável (ou com um leve aumento). A barra de chocolate que tinha 100g agora tem 85g. Para o IBGE, o “item” na prateleira teve seu preço inalterado, mas, na prática, o preço por grama subiu. Você está pagando o mesmo por menos.
  • Alteração na Composição ou Qualidade: Outra tática é alterar a fórmula de um produto ou a especificação de um serviço. O exemplo clássico é a gasolina: o governo pode autorizar um aumento no percentual de etanol na mistura. O preço por litro na bomba pode não subir na mesma proporção, mas como o etanol tem menor poder energético, o rendimento do seu carro diminui. Você roda menos quilômetros com o mesmo tanque. Ou seja, o custo por quilômetro rodado aumentou, mas o IPCA tem dificuldade em capturar essa perda de eficiência.

Esses fatores mostram que, mesmo como medida de “aumento de preços”, o IPCA é uma aproximação imperfeita da realidade.

Inflação e Gestão de Custos
Inflação e Gestão de Custos

💸 2. Inflação como Aumento da Base Monetária (A Causa)

Esta é a definição clássica. Aqui, a inflação não é o aumento de preços; isso é apenas a consequência. A inflação é, em sua origem, o aumento da quantidade de dinheiro e crédito na economia.

Quando o Banco Central expande a base monetária, o resultado inevitável é que os preços sobem. O aumento de preços é o “sintoma” da febre (inflação monetária). Seu projeto, muitas vezes, sofre o impacto desse “dinheiro novo” antes que ele seja totalmente registrado no IPCA.

🏦 Parte 2: O Painel de Controle (Gráfico do BCB)

Se a inflação real é o aumento da quantidade de dinheiro, como podemos medi-la? A resposta está no balanço do Banco Central. Aqui, precisamos entender a diferença crucial entre dois conceitos:

  • Base Monetária (Restrita): É o dinheiro “de alta potência” que o BCB criou. Inclui o dinheiro físico em circulação e as reservas dos bancos depositadas no BCB.
  • Base Monetária AMPLIADA (O Conceito-Chave): Esta é a métrica mais fiel. Ela soma à base restrita os Títulos Públicos Federais (SELIC), que são a principal ferramenta do BCB para injetar ou drenar liquidez da economia.
Gráfico de Base Monetária no Brasil (BCB)
Gráfico de Base Monetária no Brasil (BCB)

Como Interpretar o Gráfico e o Impacto em Seus Projetos ao abrir o gráfico do BCB:

  • Se as linhas estão SUBINDO: Cuidado! O BCB está injetando liquidez (política expansionista). Esta é a “inflação real” acontecendo. A consequência (aumento de preços no seu projeto) é uma questão de tempo.
  • Se as linhas estão ESTÁVEIS ou CAINDO: O BCB está “enxugando” o sistema (política contracionista), o que tende a frear o aumento futuro de preços.

🛡️ Parte 3: Como Manter o Valor do Dinheiro (Reserva de Valor)

Se entendemos que o dinheiro fiduciário perde poder de compra ao longo do tempo, a pergunta estratégica se torna: como proteger o capital?

A melhor forma de proteger e multiplicar o capital é investir em projetos de alto retorno e geri-los com qualidade.

  • Geração de Valor Real: Um projeto bem-sucedido não é um ativo passivo como o ouro. Ele é um motor de criação de valor que gera um fluxo de caixa superior à desvalorização da moeda.
  • O Papel da Gestão de Qualidade: É aqui que a gestão de projetos se torna a principal ferramenta de reserva de valor. Um projeto bem gerenciado transforma capital (dinheiro) em um ativo produtivo que gera mais capital. Em um cenário inflacionário, a melhor defesa é atacar, criando novo valor.

Conclusão

O IPCA é um “indicador atrasado” (lagging indicator) e, como vimos, imperfeito.

O gráfico da Base Monetária Ampliada é um “indicador antecedente” (leading indicator). Ele mede a causa da inflação que ainda vai acontecer.

Como gestor de projetos, sua função se desdobra em dois níveis:

  1. Tático: Monitore a Base Monetária Ampliada para antecipar pressões de custo. Se a base está se expandindo, suas reservas de contingência devem ser maiores.
  2. Estratégico: Entenda que sua principal função é ser um guardião do capital. Sua habilidade de transformar dinheiro em ativos produtivos, através de projetos bem executados, é a forma mais eficaz de combater a inflação e garantir que o valor da sua empresa não apenas se mantenha, mas se multiplique.

Em um mundo onde o capital se desvaloriza, a competência se torna a única reserva de valor real. As mais valiosas são a visão para encontrar os projetos altamente lucrativos, e a competência para concluir o projeto com sucesso.”


Referências Consultadas

As definições e os dados utilizados neste artigo são baseados nas informações públicas e na metodologia oficial do Banco Central do Brasil (BCB).

Anderson Ferreira

Anderson Ferreira é engenheiro mecânico pela PUC Minas, MBA em gestão de projetos pela USP, certificado como PMP pelo Project Management Institute, Mestre em Engenharia pela UFMG e certificado PMO-CP pela PMO Global Alliance. Anderson ama a gestão de projetos e engenharia, e acredita que unindo esses dois conhecimentos podemos construir um Brasil cada vez melhor.

2 comentários sobre “A Inflação Real: IPCA, INCC e IGPM não são exatos

  • Gostei da análise. Índices econômicos não refletem a realidade específica, apenas uma realidade geral. Assim como o IBOV não tem relação com o valor de alguma empresa específica

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    • Obrigado pela análise. Realmente não podemos avaliar casos específicos somente com índices que avaliam o todo de modo genérico

      Resposta

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