O efeito Kodak: Alinhamento estratégico e sucesso na gestão dos projetos
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Antes de iniciar um projeto, houve um planejamento estratégico para a tomada de decisão do porquê esse projeto foi selecionado para ser executado.
👉 Pergunta: Na sua percepção, qual o percentual de projetos que fracassam na empresa em que você trabalha? [responda aqui]
Planejamento estratégico
Ao planejar um projeto, vamos responder várias perguntas sobre esse projeto, como:
- O que será feito? (gestão do escopo)
- Quando será feito? (gestão do cronograma)
- Quanto será gasto? (gestão dos custos)
- Quem irá realizar? (gestão dos recursos humanos)
- Com o que será realizado? (gestão dos recursos materiais) etc.
Mas antes de iniciar um projeto, o gerente do projeto deve ter em mente, de forma clara, a resposta para a pergunta por que o projeto será realizado? A resposta a essa pergunta revela a estratégia que deu origem a criação desse projeto.
Para saber mais sobre os níveis gerenciais estratégico, tático e operacional, clique aqui.
Exemplos de estratégias
Vamos analisar a estratégia de uma empresa de smartphone no mercado internacional no ano de 2018. Antes, quais as decisões estratégicas você optaria para uma empresa assim?
- Remuneração dos vendedores variável ou fixa?
- Marketing por valor da marca ou por melhor custo-benefício?
- Projeto de produto com maior individualização ou maior integração?
- Foco no desenvolvimento do design e terceirizar a manufatura ou realizar ambos?
- Foco em unicidade de produto ou variabilidade de produto?
- Ação para maior percentual de lucro ou para maior faturamento?
Qual a opção que você prefere para cada decisão estratégica?
De fato, não existe opção correta ou incorreta. Não existe estratégia errada ou estratégia certa.
Existe boa estratégia, e uma boa estratégia requer um alinhamento entre diferentes decisões estratégicas.
- Não existe bom alinhamento em ter unicidade de produto e ao mesmo tempo ter um marketing de melhor custo-benefício.
- Não existe bom alinhamento em ter um Marketing de valor por custo-benefício e ter um produto de grande individualização.
Observe as respostas a essas perguntas para a empresa Apple e Samsung no mercado de celulares em 2018 e verifique como elas possuem estratégias diferentes e cada uma possui um conjunto de decisões estratégicas alinhadas.
Alinhamento estratégico existe quando todas as decisões apontam para uma direção comum.
Em junho 2021 houve uma mudança de mercado Samsung e Apple perderam o posto de líderes de mercado para a Xiaomi, veja aqui.
Estratégia e valor de marca
O vídeo abaixo ilustra em um gráfico dinâmico o valor de marca das 15 marcas mais valiosas de 2010 a 2018.
Em 2018, a Apple teve o seu valor de marca superior, e a Samsung ficou à frente em faturamento.
Pontos de destaque:
- Das 6 marcas mais valiosas em 2018, 5 são de produtos ligados a TI.
- A Coca-Cola, 5ª colocada, é a que perdeu mais vendas no período e a que mais investiu em branding (era a marca mais valiosa de 2001 a 2010). Mesmo investindo grandiosamente em Branding, a marca McDonald’s também caiu 4 posições. Ambas as marcas têm tomados decisões estratégicas de incluir alimentação saudável em seu portfólio.
- Em 2012 a Nokia tem grande desvalorização e sua marca desaparece do ranking, sendo ultrapassada pela Samsung. Em 2013 a Microsoft toma a decisão estratégica de comprar toda a divisão de celulares da Nokia. Em 2019, o grupo HMD Global compra a marca Nokia e retorna a fabricação de celulares da marca.
- No período, a Disney, que termina 2014 na posição 14º, tomou a decisão estratégica de comprar marcas concorrentes e de criar o próprio serviço de Streaming.
- Em 2014, a HP, que tem uma estratégia de produtos de alta qualidade, deixa o ranking e surge a Amazon.
- A Amazon, no momento adotando a estratégia de popularização (aquisição de usuários) vendendo produtos com o menor preço de mercado, registrando “prejuízos” anuais, com vendas 100% online e com foco no mercado de ebooks. Em 2015 a Amazon abre a sua primeira loja física (a Amazon Books) e termina 2018 como a terceira marca mais valiosa do mundo.
O gráfico abaixo apresenta as 100 empresas com o maior valor de marca em 2020.
Nenhuma marca sul-americana aparece entre as marcas mais valiosas do mundo. Na figura seguinte, vemos as marcas mais valiosas do Brasil.
Pontos de observação de decisões estratégicas adotadas por essas marcas:
- A partir de 2017, a Magalu renovou a marca (antiga Magazine Luiza), migrou completamente para mercado de marketing place e desenvolveu parceria para vendas online com influenciadores digitais, e criou a sua avatar digital (ação copiada posteriormente pelas Casas Bahia), é considerada o principal desafio para a Amazon no Brasil
- Itaú e Bradesco criaram bancos digitais com marcas diferentes para se defender de Nubank e banco Inter (Iti e Next)
- Rede Globo investiu em séries e novelas com tecnologia de ponta e serviço pagos de streaming para se defender contra Netflix e Youtube
- Alta valorização de marcas de cerveja demostra que ainda o produto tem grande valor para a população brasileira
- Varejista de roupas, Renner investiu nas vendas online como um parceiro das vendas em loja física
A maior valorização histórica de uma empresa na bolsa brasileira foi da companhia Magalu, partir da revisão estratégica em 2017. Quem investiu R$1.000,00 em ações da Magalu em 2017, encerrou 2020 com um valor de R$61.970,00, um rendimento de 6.187%. Você pode verificar a cotação atual da Magalu clicando aqui.
Desde 2009, quando a BRF (proprietária da Sadia) comunicação a compra da empresa Perdigão, a marca Sadia se valorizou. Em termos de ações, o valor da companhia vem decrescendo desde 2015. Cotação atual aqui.
Sucesso na estratégia e sucesso no projeto
A definição de sucesso como “alcançar os resultados pretendidos” terá diferentes análises para avaliarmos o sucesso da estratégia escolhida e o sucesso da gestão do projeto.
- Sucesso na gestão do projeto é concluir o projeto dentro do escopo, tempo e custos planejados.
- Sucesso na gestão da estratégia é alcançar o objetivo da organização.
Qualquer um dos dois pode ocorrer com a presença ou a ausência do outro.
Case 1: O Titanic e a gestão do projeto
Vamos abordar agora sobre dois filmes de 1997: Titanic e Advantix. Certamente, você ouviu falar do primeiro e não se lembra do segundo (embora, dependendo da sua idade, já tenha sim ouvido sobre ele).
Duas perguntas iniciais:
1. Você considera que o desenvolvimento de um filme cinematográfico é um projeto?
-
- ( ) Sim
- ( ) Não
2. Você considera que o filme Titanic foi um filme de sucesso?
-
- ( ) Sim
- ( ) Não
Muito provavelmente a sua resposta para a última pergunta foi Sim. Titanic ganhou 11 Óscares e 4 Globos de ouro. Foi recorde de bilheteria e Óscar por muitos anos (perdendo o posto de filme mais premiado somente em 2010, para o filme Avatar).
Apesar de todo esse sucesso aos olhos do público, do ponto de vista de gestão de projeto, o filme está longe de ser um projeto de sucesso. Os problemas são:
- Falha na gestão do escopo: mudanças de roteiro devido problemas de enredo encontradas após o início das gravações com um final alternativo tentando salvar o enredo e que também não funcionou adequadamente;
- Falha na gestão dos custos: o filme também foi recordista de investimento (US$ 200 milhões), mas o “segredo” guardado junto a equipe do projeto, é que o orçamento inicialmente aprovado e disponível era de “apenas” US$ 125 milhões. O diretor James Cameron precisou vender o seu direito sobre o filme para a produtora para poder concluir o projeto. Sim, James Cameron não lucrou nada com a venda do filme;
- Falha na gestão do cronograma: Inicialmente planejado para ser lançado no aniversário da viagem inaugural (realizada em 10 de abril de 1912), o filme só foi lançado em 19 de dezembro de 1997.
- Falha na gestão da qualidade: Erros técnicos fizeram a crítica técnica considerar o filme ruim. Além de erros técnicos de enredo.
Referente aos erros técnicos, foram o total de 242 erros (o filme também foi recordista de erros técnicos), você pode ver alguns erros clicando aqui.
Referente aos erros de enredo: O BAFTA (British Academy Film Awards), premiação anual concedida pela Academia Britânica de Cinema e Televisão para homenagear as melhores contribuições britânicas e internacionais para o cinema, não concedeu nenhuma premiação para o Titanic. Em resumo, os problemas de enredo estão relacionados a Rose também ser uma vilã (tanto quanto o Caledon Hockley), embora o estado emocional de amor provocados pelo filme escodam essa análise racional. As atitudes de vilã da protagonista transparecem em ações como:
- Rebeldia exacerbada e falta de educação (agravante para a época do filme, 1909);
- Em 1909 os casamentos arranjados já haviam sido extirpados da sociedade, logo, Rose tinha liberdade de não ser noiva de Caledon. Embora o desejo de sua mãe fosse pelo casamento, Rose tem plena liberdade de terminar o relacionamento (e é evidente que Rose não respeita a vontade de sua mãe);
- Rose se nega a entrar no bote salva vidas que aceitava mulheres e crianças e se torna um estorvo para Jack cuidar com o naufrágio do navio (inclusive, o Jack quem encontra a porta, logo, ele encontraria a porta sem a Rose e se salvaria da morte com a ausência dela);
- Mais velha, desonestamente, Rose diz que ajudaria uma equipe de pesquisadores a encontrar a joia Coração do Oceano. Os pesquisadores investiram grande quantidade no projeto e buscaram a Rose nos EUA para ajudar a localizar o colar com a pedra preciosa, e durante todo o momento ela escondia a pedra consigo;
- Ao contar a história, Rose revela fatos que teoricamente não deveria saber, e que, se soubesse, deveria ter tido atitudes opostas. São itens que, na melhor das hipóteses, são “achismos” da Rose ante que só vemos a sua versão da história. Itens como “Jack ter a joia implantada em seu casaco para ser acusado de roubo” e “Caledon entrando no barco usando uma criança em que afirma ser o pai”;
- Ao morrer “de velhice, quentinha, em uma cama”, assim como Jack falou com ela, ela passa seus momentos finais em lembranças de Jack apenas (um homem com quem compartilhou 2 dias na vida) e nada sobre seus pais, filhos e até a neta que abdicou da vida profissional para cuidar da avó. E ela vive 80 anos após o Naufrágio;
- Com 100 anos de idade, depois de esconder a joia que, segundo a história, vale 350 milhões de dólares, prestes a morrer, Rose descarta os 350 milhões de dólares ao mar. Valor que poderia ser usado em benefício de sua família ou em benefício de milhões de pessoas ao redor do mundo. A quantidade de vidas que poderiam ser salvas com o valor descartado ao mar (350 mil vidas, considerando 1 milhão de dólares por pessoa) é 233 vezes maior que a quantidade de mortos que o Titanic deixou (1.500 mortos). Essa ação já classificaria Rose como mais vilã que Caledon e o “Iceberg”.
Resumido, o filme Titanic teve como resultado:
- Gestão de projetos fracassada
- Gestão estratégica de sucesso
Case 2: O Advantix e o efeito Kodak
Segundo filme que vamos falar, também de 1997, é o filme Advantix. Esse não é um filme cinematográfico. É um filme fotográfico.
Imagine que esse filme foi um projeto tão bem gerenciado que ele ganhou o Óscar da gestão de projetos. Sim, o projeto Advantix ganhou o prêmio de projeto internacional do ano, um prêmio do PMI que indica o melhor projeto do ano. Bill Janawitz, gerente do projeto, foi o homenageado.
Você pode acessar o relatório da premiação do projeto Advantix clicando aqui.
Entre outros aspectos que você pode observar, o prêmio se deu por:
- Excelente gestão do escopo (escopo concluído com sucesso)
- Excelente gestão do cronograma (cronograma cumprido com sucesso)
- Excelente gestão dos custos (orçamento cumprido com sucesso)
- Excelente gestão da qualidade (requisitos de qualidade atingidos com sucesso)
Tomando que o projeto do Advantix (da Kodak) foi tão bem gerenciado, e o projeto do filme Titanic (da 20th Century Studios e Paramount Pictures), foi tão mal gerenciado. Porque conhecemos o segundo projeto e o primeiro não?
A questão é que o filme Advantix foi um fracasso de mercado. Em 1998, a indústria fotográfica passou por uma grande mudança com a inserção de câmeras digitais no mercado, fazendo com que os filmes e câmeras analógicas se tornassem obsoletas ante as novas funcionalidades dos aparelhos digitais.
Em 2004, o produto foi descontinuado e Kodak deixou de fabricar câmeras fotográficas. O projeto Advantix foi um sucesso em gestão de projetos e um fracasso em gestão estratégica.
O Efeito Kodak
Hoje, é fácil olhar para traz e agir como profeta do passado e fazer estudos do erro de gestão estratégica que aconteceu na Kodak. Uma análise de gestão de portfólio, mostrava a Kodak como uma empresa robusta, que faturava em todo o ciclo da fotografia (com a venda da máquina digital, com o fornecimento de insumos e com a prestação do serviço de fotografia).
A Kodak foi a terceira marca mais valiosa em 1997.
O erro de garantir a alta lucratividade ao continuar a investir em projetos tradicionais (que melhoram produtos e tecnologias existentes) e não em projetos inovadores (que desenvolvem novos produtos e novas tecnologias) foi o que fez a Kodak não investir nas câmeras digitais.
Focar nesse mercado e continuar a usufruir do grande valor que a empresa extrai dele, gerou grande lucro no curto prazo e fez com que no longo prazo a empresa deixasse de existir (a empresa já passou por vários pedidos de abertura de falência).
O Efeito Kodak (Kodak Effect) é um fenômeno conhecido na gestão empresarial como o erro estratégico de investir apenas em projetos em que a empresa já tem boa lucratividade e não priorizar investimentos para projetos de inovação.
A grande questão que costura o que hoje chamamos de efeito Kodak é, qual a empresa que inventou/descobriu a tecnologia que permitiu a invenção da primeira câmera digital? (descubra clicando aqui).
A Kodak hoje
Após uma década de prejuízos após o efeito Kodak em 1999, a Kodak abriu pedido de falência em 2011 e com a ajuda do governo em um processo de recuperação judicial, conseguiu se “salvar” em 2013 com a venda de parte da empresa no mercado de ações, após apresentar um plano de reestruturação.
O plano de reestruturação não funcionou e os acionistas tiveram prejuízo ao longo dos anos seguintes.
Em julho 2020 a empresa teve grande alta no valor de suas ações com a apresentação da decisão estratégia de migração para produção de farmacêuticos no combate a pandemia de COVID-19 que atingiu o mundo no mesmo ano. Você pode acompanhar o status atual do valor das ações da companhia clicando aqui.
Conclusão
Você pode ser um bom gerente de projeto e o projeto ter sucesso em termos de gestão de projeto e, ao mesmo tempo, o projeto ser um insucesso do ponto de vista da estratégia. O inverso também pode acontecer.
Embora não seja função primária do gerente de projeto, ele deve comunicar à direção estratégica caso encontre indícios de que o projeto não irá alcançar o sucesso estratégico planejado.
Um caso pessoal pelo qual passei foi o projeto da usina de pirólise Pyrolix. Projeto premiado tecnicamente e que, em termos de mercado, ainda não teve nenhuma unidade vendida.
Concluímos esse estudo com uma importante citação de Peter Drucker:
Não há nada tão inútil quanto fazer eficientemente o que não deveria ser feito.”
Quiz de fixação
Assinale uma única alternativa para cada uma das perguntas a seguir.
1) Qual das frases abaixo indicam uma situação de INSUCESSO na gestão do projeto?
2) Ao avaliar o texto, podemos perceber que um dos motivos que proporcionou grande valorização da companhia Magalu foi?
3) Qual dos pontos seguintes apresenta um exemplo de ação para alinhamento estratégico?
4) O que é o Efeito Kodak?